“O melhor treinador é o que já não é preciso.”​

Há uns anos, enquanto tirava o nível 2 do curso de treinador em Guimarães, foi-nos colocada a seguinte questão: “Como é, para ti, o Treinador Ideal?”
Recordo-me que a minha resposta foi de apenas uma frase (título deste texto) e, de tão simples que era, levou os formadores a, durante uma pausa, se acercarem de mim para me questionar sobre o alcance da minha afirmação.
“O que queres dizer com esta resposta?”, perguntou-me um dos meus Mestres, o professor Carlos Pinto. Respondi que aquela era a minha crença decorrente de mais de duas décadas como atleta e treinador. Enquanto atleta, fiz parte de equipas cujos líderes exibiam estílos de liderança distintos. Invariavelmente, os atletas revelavam maior felicidade quando lhes era conferida maior autonomia, com a correspondente dose extra de responsabilidade associada. Enquanto treinador, limitei-me a comprová-lo.
No primeiro dia de trabalho de cada uma das equipas de competição que treino, lanço sempre o mesmo desafio/objectivo: “estarmos em todos os momentos de decisão das competições em que entrarmos, sem que eu (Treinador) possa estar presente!” É assim, com este “mindset” que se iniciam todas as temporadas de equipas por mim lideradas. Que garantia me traz esta abordagem? Que os atletas percebem que não estamos a trabalhar para formar seguidores mas sim líderes. Que se o nosso objectivo é que a equipa atinja as finais e o seu treinador não pode estar presente, então terão que ser os jogadores a tomar as decisões estratégicas necessárias para atingirmos juntos o sucesso pretendido. Que este compromisso obriga a um estudo intensivo do jogo, nosso e dos oponentes, nas suas várias dimensões, por parte de todos os atletas sem excepção.
Um exemplo prático desta filosofia surgiu durante um jogo em que a minha equipa (escalão senior) se encontrava a perder por 10 pontos a menos de 5 minutos do fim, em casa, com um adversário teoricamente “acessível”. Nesse momento decidi parar o jogo pedindo um desconto de tempo. Tinha um minuto para alterar o que pensava estar errado. Com a exigência e o sentido de urgência no máximo, pedi que alterassem a estratégia defensiva para uma mais agressiva e estendida a todo o campo. Enquanto o fazia reparei que o semblante dos meus jogadores não era o que eu esperava…
De repente, o inesperado: uma cabeça ergue-se e murmura: “isso não vai resultar”… Na minha cabeça de treinador soaram todos os alarmes que possam imaginar. O desconto de tempo já ia a mais de meio e tinha um atleta a verbalizar que o plano que eu apresentava era errado! Estes são os momentos em que temos que tomar decisões rápidas e, de preferência, correctas. O que pensei para o tentar fazer foi: “eu também já estive daquele lado e achei que os meus treinadores estavam a tomar decisões incorrectas, logo, se fosse eu a fazer o que este meu atleta está a fazer, como gostaria que o meu treinador reagisse?
Em dois segundos saiu-me um: “o que propões?” Ele explicou que a equipa estava cansada de insistir num plano que não estava a funcionar e o meu novo plano só os iria arrasar fisicamente sem melhoria dos resultados práticos. Propôs um tipo de defesa que eu não acreditava que funcionasse naquele momento. Mas, ao invés de impôr o meu plano, perguntei: “quem concorda com ele?” A resposta da equipa foi tão genuinamente unânime que não tive outro remédio que não o de lhes conferir a autonomia e a responsabilidade que me estavam a exigir: “Vão lá para dentro fazer aquilo em que acreditam e que é diferente daquilo em que eu acredito. Não vos posso ajudar mas fico a torcer por vocês. Para que me mostrem que vocês estão certos e eu errado! No final faremos a avaliação.”
Hoje, arrepio-me só de lembrar a reacção colectiva a estas palavras. Parecia que tinham todos bebido 10 garrafas de bebidas energéticas! Assim que entraram em campo, uniram-se naqueles círculos maravilhosos que as equipas boas fazem quando estão perante um problema difícil que exige o contributo alinhado de todos. Escusado será dizer que os rapazes fizeram cinco minutos de altíssima qualidade, a praticarem a defesa que escolheram na perfeição, o que permitiu conquistar mais uma difícil (e inesquecível para mim) vitória.
No final da demonstração de cumplicidade, entrega, superação, coragem, comunicação frontal e, acima de tudo, trabalho em equipa, agradeci-lhes. Dei-lhes os Parabéns merecidos e aceitei humildemente que estava errado e que o meu caminho conduziria à derrota indesejada. Porque “nenhum general pode querer vencer uma batalha contra as suas tropas”.
Nesse dia validei esta minha crença. Tive a certeza de que estávamos no caminho certo. No caminho de formar líderes e não meros seguidores. Homens que ousavam questionar o que consideravam errado e assumir a sua responsabilidade pelos resultados do fazer diferente. Gigantes com a “Coragem de Mudar”!
Essa Equipa acabou por se sagrar Bicampeã Nacional.
Nota: este texto é inteiramente dedicado ao Manuel Maia, o gigante que ousou assumir a palavra para defender os seus colegas de batalha daquilo que se provou ser um mau plano. Um Homem!
Sabe mais em www.mudaoteujogo.com

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