“Lembra-te da dor!” – A Lagarta e a Borboleta

O desporto é uma metáfora da vida. Para muitos, a mais bonita.
Quando nos entregamos à prática duma determinada modalidade fazêmo-lo porque gostamos dessa modalidade, porque temos amigos que a praticam ou porque temos curiosidade em descobri-la e em descobrirmo-nos. Regra geral, essa escolha é ditada pela lógica da aproximação a algo que gostamos ou que gostávamos de conhecer melhor. Mas a prática desportiva começa, quase sempre, por ser uma aprendizagem dolorosa. Se fosse uma fábula, podia muito bem ser “A Lagarta e a Borboleta” uma vez que as asas que nos permitem voar só aparecem depois de vários momentos não tão belos em que nos podemos sentir como uma lagartinha feia.
Que dores nos esperam, então, no desporto?
Logo à partida, as dores físicas. As dores musculares, articulares, as lesões. As primeiras que testam o nosso espírito de superação, a nossa aptidão física, a nossa resiliência.
Associadas à dor física aparecem as dores da aprendizagem, do erro sistemático, das correcções repetidas, da imperfeição. Se o sucesso individual demorar a aparecer, prepara-te também para as dores da crueldade dos colegas, dos adverários, de alguns pais, de desconhecidos até. As dores do feedback negativo
Quando a prática desportiva  competitiva traz alguma dose de sucesso e consegues ser competitivo, esperam-te as dores próprias da competição. Seja a dor de não ser convocado quando pertences a uma equipa, a de não jogar quando és convocado, a da derrota quando deste tudo, a do não apuramento quando estava quase garantido, no fundo, as dores da exclusão.
A longo prazo, este convívio quase diário com a dor confere a cada atleta uma capacidade singular de perseverar no sofrimento, de sentir conforto no desconforto. Atletas de sucesso utilizam a memória da dor como referência motivacional numa lógica de afastamento. É muito importante lembrarmo-nos das dores para evitarmos que elas se repitam. Em muitos casos, essa memória é decisiva para que sejam atingidos feitos extraordinários. E, claro está, basta estarmos atentos ao mundo à nossa volta para percebermos que esta competência está presente em tantas pessoas que conhecemos e que se sacrificam diariamente em nome duma vida digna para si e para os seus.
Porquê esta introdução? Porque há uns dias, em conversa com um amigo e ex-colega de equipa, recordávamos algumas das conquistas que partilhámos e a “coincidência” de, quase sempre, essas conquistas terem começado com um momento muito doloroso que marcou o espírito com que trilhámos juntos esses caminhos. Recordo aqui, com um misto de saudade e gratidão, alguns desses momentos dolorosos que vivi enquanto atleta e treinador na expectativa de contribuir para dar mais optimismo a momentos que eventualmente venhas a viver e nos quais o desânimo pareça encontrar condições para tentar apoderar-se de ti. São relatos de dores competitivas que me ajudaram muito a crescer como atleta e como homem.
1. Os Júniores: Quando jogava nos juniores do Beira-Mar, agora sub18, houve duas épocas consecutivas que não nos apurámos para o Campeonato Nacional por… um ponto. Não um ponto na classificação mas porque terminámos empatados com outra equipa – nas duas vezes o Sangalhos – e a diferença pontual nos confrontos directos foi de mais um lance-livre para eles. Ganhávamos em casa por cinco, perdíamos em Sangalhos por seis. Por um lance-livre não tivemos, durante dois anos consecutivos, a possibilidade de dar seguimento à nossa época competindo com as melhores equipas. Ora, isso deu-me para sempre uma certeza: cada lance-livre é decisivo para as contas finais duma época, ou seja, todos os detalhes contam. Mais, são esses detalhes que no final decidem apuramentos. Se no primeiro ano a dor foi relativamente pequena, a repetição multiplicou-a várias vezes. Ao ponto de entrarmos na nossa última época de juniores com uma missão: para irmos ao nacional não podíamos perder o confronto directo com nenhuma equipa. Não íamos deixar que se repetisse a mesma dor. Se a segunda vez tinha sido quase insuportável, não imagino como seria a terceira. Resultado? Apurámo-nos pela primeira vez para o nacional e provámos a nós próprios que éramos capazes. Juntos. Sermos capazes deu-nos a todos uma confiança que pode ajudar a explicar um pouco as pessoas em que nos tornámos.

2. Primeiro Título Nacional: O segundo momento doloroso vivi-o em Tondela, ao serviço da melhor equipa em que joguei e frente à melhor equipa que este País já teve o privilégio de ver jogar. Era a meia final da Taça de Portugal. Defrontávamos o “Super Benfica” onde brilhavam Carlos Lisboa, Jean Jacques, Steve Rocha, Luís Silva, Flávio Nascimento, Pedro Miguel, … Depois de termos estado atrás 20 pontos, recuperámos e a segundos do fim passámos para a frente. Quando tínhamos feito o que pensávamos ser o mais difícil, um balde de água gelada. O Pedro Miguel dribla pelo campo fora, lança em desiquilíbrio em cima da buzina e a bola bate, bate… e entra. A Final da Taça mesmo ali… foi-se. 



Pouco tempo depois fomos à Tapadinha jogar com o Atlético que lutava connosco para decidir quem seria o Campeão Nacional da A2. Perdemos novamente no final com um lançamento fortuito do saudoso “enorme” Mike Plowden. Faltavam duas jornadas e o Atlético passava a ter mais uma vitória que nós e vantagem no confronto directo. Restava-nos tentar vencer as duas partidas e dar os parabéns ao Carlos Barroca e à sua belíssima equipa por serem os Campeões da A2. Nós fizemos a nossa parte e vencemos as duas partidas restantes, a última delas jogando só nós, os portugueses. O Atlético não conseguiu vencer nenhum dos dois últimos jogos. E os Campeões Nacionais da A2 fomos nós! O que aprendi com estas dores? Que mesmo quando parece que o destino não quer nada contigo deves procurar continuar a fazer bem o que te compete. Quando perdemos no Atlético e nos parecia um “déja vu”, em vez de lançarmos a toalha ao chão lutámos até ao fim da prova. E fomos largamente recompensados por essa seriedade e brio profissional.

3. Subida à Proliga: O terceiro momento competitivo mais doloroso vivi-o enquanto jogador do Galitos. Construimos uma bela equipa que tinha o objectivo de se manter o quanto antes na 1ª Divisão. Conseguimo-lo cedo e sempre a jogar um basquetebol de qualidade e a andar nos lugares de cima. Mais do que a manutenção, conseguimos os Playoffs. Pé ante pé, chegámos à final com o poderoso Guimarães do Dennis Woolfolk. Perdemos o primeiro, vencemos o segundo e jogámos o jogo decisivo em Guimarães. A dez minutos do fim perdíamos por 20. Mas eu já tinha estado num jogo decisivo a perder por vinte e conseguimos ir buscá-lo! Sabia bem como era possível. O treinador chama-me e dá-me carta branca para atirar. Entraram seis triplos meus nos últimos dez minutos. Mas não foi suficiente para vencermos. Aproximámo-nos até aos quatro pontos. “Se o jogo tivesse mais dois minutos isto era vosso”, dizia um grande amigo que jogava por eles. O Guimarães, com inteira justiça, foi o campeão e subiu de divisão. A dor de termos estado tão perto foi grande. Mas éramos underdogs. Na época seguinte já éramos favoritos e chegámos à final com o Sampaense. Também se decidiu no terceiro jogo só que desta vez esse era em nossa casa. Pavilhão lotado. Jogo decidido no último segundo. Sampaense Campeão! Mais uma vez, a dor se agiganta por efeito da repetição que a multiplica. Mais uma vez, com enorme inteligência e brilhantismo, uma equipa e um clube conseguem usar esse mau-estar para provar que nunca mais lá querem regressar, nunca mais o querem sentir. Na época seguinte o Galitos sagrou-se Campeão Nacional e subiu à Proliga. O culminar dum percurso de três épocas movido a sonhos, trabalho e… dor. 
4. Universidade de Aveiro: O último episódio que partilho aqui convosco aconteceu quando era treinador da Universidade de Aveiro. Na primeira época fomos à Fase Final da FADU e acreditávamos que estávamos prontos para a conquistar. Perdemos nas meias finais contra a FADEUP que foi melhor do que nós utilizando uma filosofia de jogo muito semelhante à nossa. Alguém fazia melhor do que nós aquilos que pensávamos que fazíamos tão bem. Foi duro. No jogo da final, contudo, os meus atletas estavam divertidos e a participar por fora na festa dum jogo que foi ganho pela Académica de Coimbra. Sem perceber que eu é que estava errado, questionei-os depois do jogo sobre o comportamento efusivo por parte de quem assumiu que queria estar a jogar aquela final. Mas não deveríamos estar tristes por não estarmos no campo? Sinceramente, custava-me a entender tanta alegria. Foi então que ouvi: “se queremos ser campeões para o ano temos que fazer equipa federada. Jogar no campeonato da FPB”. Pareceu-me um comentário brincalhão (mais um) do Casa Nova e repondi que nem tinham ideia do trabalho e do custo que isso dava por isso não deviam brincar com coisas sérias. Mas não estavam a brincar. E os rapazes trabalharam tão bem! Fizemos uma equipaça que teve várias conquistas importantes. Acima de todas elas, o propósito com que foi criada – sermos Campeões Nacionais Universitários – foi atingido na perfeição. Nas duas épocas seguintes fomos bicampeões nacionais, algo que em 30 anos de provas da FADU apenas foi conseguido, por uma equipa masculina de Aveiro. Essa equipa especial. O que aprendi com esta dor? Primeiro que devemos sair dum jogo de modo a que quem está de fora não perceba se ganhámos ou perdemos. Foram os meus rapazes que mo ensinaram. Depois, que quando uma missão é assumida por um colectivo trabalhador, educado e sonhador… não há limites para onde podemos chegar.
Certamente que muitos dos leitores terão outras dores, muitas delas bem mais profundas.
Estas são apenas algumas das minhas e a forma como, em equipa, fomos sendo capazes de encontrar o positivo dentro do negativo.
Muitas vezes desistimos a meio sem dar tempo à dor de se transformar em alegria. à lagarta de se transformar em borboleta. Como Albert Einstein dizia, “eu não tenho nada de diferente dos outros a não ser uma coisa: desisto mais tarde”.
Muda o teu olhar e o mundo à tua volta mudará!
Porque crescer é aprender e aprender é mudar.
Sabe mais em www.mudaoteujogo.com

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